Placas de ‘meu corpo é área restrita’ dão o tom do bloco Mulheres Rodadas

Por blog alalaô

ISABELA DIAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Desde 9h um grupo de mulheres já se reunia no largo do Machado, zona sul do Rio, diante da Igreja de Nossa Senhora da Glória, para defender os direitos das mulheres e combater o assédio em plena Quarta-Feira de Cinzas (10).

Com suas saias rodadas, elas levantavam placas como “meu corpo é área restrita: somente pessoal autorizado” e “não mereço homem idiota”.

“Nós somos um bloco que fala sobre feminismo no Carnaval do Rio de Janeiro. No ano passado, a gente avançou muito no debate da questão dos direitos das mulheres, os movimentos feministas foram para a rua e a gente fez parte dessas tentativas de colocar o assunto em pauta”, disse a jornalista e uma das fundadoras do bloco Renata Rodrigues.

Bloco Mulheres Rodadas se apresenta no largo do Machado, na zona sul do Rio (Foto: Isabela Dias)

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Data Popular entre os dias 4 e 12 de janeiro, com 3,5 mil brasileiros com idade igual ou superior a 16 anos, em 146 municípios, mostrou que 49% dos homens acham que bloco de Carnaval não é lugar para mulher ‘direita’, enquanto 61% afirmaram que uma mulher solteira que vai pular Carnaval não pode reclamar de receber cantada.

Sobre a pesquisa do Instituto, que reverberou nas redes sociais, ela comentou:

“Dá um certo desânimo porque faz a gente pensar que o Brasil ainda não chegou no século 20, quem dirá no 21. É uma coisa fascista. A gente tem o direito de celebrar o nosso corpo e a alegria do carnaval sem levar um puxão no braço ou no cabelo”.

O bloco, que começou a tocar “É Hoje”, da cantora Ludmilla, às 10h30, deve seguir até o aterro do Flamengo.

Em consonância com os gritos da bateria de “eta, eta, eta, Eduardo Cunha quer controlar nossa …”, a estudante Cecília Cavalcanti, 23, exibia uma placa com os dizeres “Tira a mão do meu útero, deputado!”. “Ninguém tem o direito de dizer o que eu devo fazer ou não”, afirmou convicta. Ela atribuiu o fato de não ter sido assediada neste Carnaval a estar sempre com o namorado ao lado.

“Pensar que, em 2016, ainda estamos defendendo uma mulher desse tipo de violência e agressividade não faz nenhum sentido. Nossa palavra-chave é consentimento. A pessoa tem que consentir com aquele ato, é isso que faz a diferença”, diz Débora Thomé, outra fundadora do bloco.

“A gente quer mudar o papel da mulher no Carnaval, ela tem que ser protagonista. As próprias fantasias remetem a essa liberdade.”

Para a advogada Marcele Almeida, 36, no entanto, o Carnaval não é tão libertador.

“Toda mulher já sofreu assédio e estar aqui no bloco é uma forma de ridicularizar esses atos. No Carnaval parece que é tudo liberado e permitido, inclusive atitudes quase animais. Eu vim de short por debaixo da saia porque me sinto constrangida, já vi muitas meninas terem as saias levantadas no meio da rua. A liberdade para a mulher ainda é uma utopia”, afirma.

O BLOCO

Criado a partir de uma polêmica na internet, em 2014, o bloco leva às ruas pelo segundo ano uma mensagem bem-humorada sobre o machismo e deve contar com a presença de uma militância feminina.

A polêmica que deu origem ao bloco começou quando uma foto de um jovem carregando a placa “Eu não mereço mulher rodada” foi postada na página “Jovens de Direita”, no Facebook, e gerou como resposta a página do Tumblr “Mulher Rodada”, que satirizava a postura de homens que afirmam não ter interesse em se envolver com mulheres que tiveram relacionamentos anteriores.

As discussões que se seguiram à polêmica levaram as jornalistas a criarem o bloco e convidarem todos a “rodarem” com elas no Carnaval.

Em 2016, o bloco conta com uma banda própria composta por 150 músicos que fazem parte de vários outros blocos. A maior parte são mulheres. No repertório, ritmos variados que vão do funk “É Hoje”, de Ludmilla, passando pela pop “Crazy in Love”, de Beyoncé, “Tieta”, de Caetano Veloso, e “Geni”, de Chico Buarque. Em comum, o fato de que todas as músicas fazem referência ao universo feminino.

Além disso, a pernalta Raquel Potí vai homenagear Leila Diniz, usando uma fantasia que reproduz a última que Leila usou como rainha da Banda de Ipanema, em 1972, ano de sua morte. À época, a roupa levantou polêmica porque Leila amamentou sua filha no meio da rua.

Em 2015, o bloco reuniu mais de 2.000 pessoas no largo do Machado e contou com o apoio da ONU Mulheres, que divulgou a campanha “Neste Carnaval, perca a vergonha, denuncie. Ligue 180”, incentivando as mulheres a denunciarem atos de intimidação e desrespeito e a buscarem orientação junto ao disque-denúncia da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República.

Este ano, a parceria se repete tendo em vista a divulgação de campanhas relacionadas ao fim do assédio no Carnaval e à garantia dos direitos das mulheres.

A campanha #carnavalsemassédio, que toma as redes sociais, foi criada pelo site Catraca Livre em parceria com a revista AzMina e vários coletivos de mulheres e movimentos como o #AgoraÉQueSãoElas e o Vamos Juntas? –movimento que propõe a união de mulheres que se sentem inseguras na rua. Foi lançado, inclusive, um guia que diferencia paquera de assédio.