Blocosfera: É importante sair de si (e dos caminhos conhecidos) no Carnaval carioca

Por blog alalaô

ANTONIA PELLEGRINO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nunca fui foliona por incapacidade: Carnaval demanda consistência —sou rainha de queimar a largada. Carnaval exige o profissionalismo da garrafinha d’água entre drinques, agenda dos blocos, bateria carregada pro compartilhamento de localização, prato com proteína pra segurar a jornada, tênis confortável e pochete.

Já me joguei, já fugi. E, depois de três anos entre duas gravidezes e respectivas amamentações, correndo o dedo no Instagram e invejando amigos a ocuparem a cidade, redescobri o Carnaval.

Entendi que existem majoritariamente dois carnavais de rua no Rio de Janeiro: um zona sul, coxinha, de blocos gigantescos, trios elétricos e homem que acha que mulher no Carnaval merece ser assediada. E outro, no centro e zona portuária, ao som de marchinhas, com meninas de biquíni e cocar, garotos de tchutchu. Sem assédio, com paquera e respeito. E, às vezes, com brisa.

Limitar a grandiosidade do que ocorre no centro pela miserável cena da zona sul, como fez a jornalista Mariliz Pereira Jorge, é pobreza de espírito. Limitar a experiência do Carnaval ao que se pode observar de casa, do carro ou de um bloco suspeito é o oposto do sair de si carnavalesco.

Sair de si não é somente, ou necessariamente, através da bebida, mas sim do próprio corpo, que misturado à massa suada e cantante, se torna tantos. É sair dos caminhos conhecidos, ir aonde (quase) não vamos. Pelo centro desfilam blocos pequenos, que deságuam um no outro, fazendo os foliões circularem fantasiados por espaços em obras, depauperados ou renovados, eventualmente cruzando com insólitos carros alegóricos à espera do triunfo na Sapucaí.

Carnaval é perambular de biquíni por onde não há mar. E mergulhar numa festa gratuita, a céu aberto, repleta de todo tipo de gente. A zona sul não pode ser metonímia do Carnaval carioca. Enquanto a jornalista foi refém do Carnaval imundo e bebum, eu fui livre como nunca.