Se divertir na rua não é mais privilégio do Rio, diz Alessandra Negrini

Por blog alalaô

INGRID FAGUNDEZ
DE SÃO PAULO

Alessandra Negrini é sinônimo de Carnaval na Augusta. Pelo menos para os sites de busca. Centenas de fotos da atriz aparecem associadas à famosa rua que corta os Jardins rumo ao centro. Desde 2013, ela é rainha do Acadêmicos do Baixo Augusta, bloco que ajudou a impulsionar a folia nas ruas paulistanas–e também a experiência carnavalesca da atriz.

Ela diz que entrar no bloco fez a festa voltar a ter graça, depois de anos sendo observada em camarotes pelo Brasil. “Era divertido, mas já não era mais aquele lugar de liberdade, de se soltar, eu estava sendo vista.” Liberdade que a paulistana tinha em Santos, nas matinês da infância, onde ganhou prêmio de melhor foliona e deu o primeiro beijo.

Foi na volta para São Paulo, aos 16, que descobriu o samba, nas rodinhas de violão com os amigos da faculdade. Ela cursou Ciências Sociais na USP antes de começar a carreira.

Além de tudo isso, as folias de rua significam para Alessandra uma reapropriação do espaço público na cidade, “há tanto tempo esquecido”. E um novo fôlego na competição com os cariocas pela melhor festa–ex-moradora do Rio, hoje ela fica com um pé lá e outro na Augusta.

O bloco sai neste domingo (31), às 16h.

Alessandra Negrini, rainha do Acadêmicos do Baixo Augusta

 

sãopaulo – Quando e como começou sua relação com o samba?

Alessandra Negrini – Sempre gostei de samba de raiz, mas também não sou nenhuma especialista. Descobri na minha adolescência, em São Paulo. Acho que na rodinha de batuque de samba, de violão, com a galera da faculdade… Quem ouço sempre, na minha vida inteira, é o João Gilberto. Sou completamente apaixonada.

E quando teve início o seu envolvimento com o Carnaval?

Começou na minha infância, eu adorava Carnaval de clube, fantasias. Me sentia muito feliz, linda, porque era um único momento que eu me fantasiava. O Carnaval foi uma coisa maior de liberdade, de descobrimento, eu ia em todas as matinês do clube. Ganhava prêmio de foliona da matinê e foi onde dei o primeiro beijo da vida. Foi toda uma descoberta. Aí depois, quando comecei a fazer novela, isso acabou. Virei famosa e não podia me divertir como me divertia. Nunca mais o Carnaval foi o mesmo. Voltou a ter graça no Acadêmicos do Baixo Augusta. [Antes] eu ia para camarotes, era divertido, mas já não era mais aquele lugar de liberdade, de se soltar, eu estava sendo vista.

Como é o Carnaval na rua?

Com o bloco é de outra forma. Continuava sendo vista, mas sentia que era a primeira vez, me sentia uma cantora de rock, de banda. O teatro não te coloca diante de tantas pessoas. A única referência [que tenho] é com o bloco do Baixo Augusta. Renovou a experiência do Carnaval.

Como vê o crescimento dos blocos?

Acho lindo, maravilhoso, o paulistano merecia isso. Ele começou a se apropriar da rua, há tanto tempo esquecida. Começou a ter essa relação social. Tem sido um aprendizado. São Paulo, de uns anos para cá, mudou muito a apropriação do espaço público. Se divertir na cidade não é mais privilégio dos cariocas. A cidade também é nossa. Estamos mostrando que o paulistano sabe se divertir à beça, não sabe só trabalhar. Acho bonito, muito bacana.

O paulistano está mais à vontade?

Acho bonito em São Paulo que as pessoas vão se apropriando dos espaços. Quando saí do Rio e voltei a morar em São Paulo, as pessoas corriam em lugares que não era para correr. No Rio, você tem Ipanema, a orla do mar, você tem lugar propício. O paulistano dá um jeito. A cidade se rendeu a isso. No começo tinha uma tomada do espaço, davam um jeitinho de usufruir a cidade, tinha uma poética nisso. Hoje você tem os parques, os locais para correr, mas antes era uma apropriação de outros espaços.

Qual o papel do Acadêmicos nesse processo de mudança?

O Acadêmicos tem muita responsabilidade nisso, de ter começado. O bloco começou invadindo a rua, e a relação com o poder público era difícil. Ele foi transgressor, deu no que deu. E o mais importante é que não perdeu sua voz, o ativismo político, que está sempre nas músicas.

Como foi o convite do Acadêmicos?

Sou muito amiga do Marcelo Rubens Paiva. Conhecia a Leandra [Leal], mulher do Alê Youssef [presidente do Acadêmicos], da noite. Eles me chamaram pela afinidade intelectual com o bloco, por ser paulistana, por gostar tanto de rock como de samba. Adoro dançar. O Alê e a Leandra sabiam bem disso. O Marcelo é o porta-bandeira e eu, a rainha. Hoje, sei sambar um pouco melhor. Como atriz, sempre fingia que sambava. Já incorporei, é um lado meu.

Qual a diferença entre atuar e ser rainha de bloco?

É muito mais gente. E é só a música. Não tem texto, não tem nada, você também aproveita, se diverte, dança. Não tem toda aquela responsabilidade, da rainha de bateria de escola de samba, de ser uma competição, de ter que vencer.

O que é ser rainha?

Tem uma leveza. Digo que é desfrutar da realeza. Existe um poder naquele momento. É o poder do samba, o elemento da música é fundamental. Não sou a musa do bloco. Aqueles caras são bons à beça para fazer samba.

São Paulo tem a estrutura necessária para receber um Carnaval maior?

Não sei se sou a melhor pessoa para responder isso. Acho que, certamente, a coisa tem melhorado. É um aprendizado, as coisas vão se organizando. Daqui a pouco, vamos ficar experts na organização. O Carnaval é incrível. O Carnaval nos blocos é belíssimo. A gente está chegando no nível [do Rio].

O Carnaval paulistano já é tão democrático quando o do Rio?

Estamos apresentando um Carnaval bem bacana. Ainda mais São Paulo, que tem essa característica de várias tribos. Tenho essa impressão.

O que a folia aqui tem de diferente?

Uma pegada muito urbana, muito especial, no concreto, na pichação, no grafite. Essa urbanidade específica nossa.